Bridges to Bremen: o que rolou na IFIP-ICEC 2022

Gabriel Ullmann
5 min readNov 6, 2022

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Bremer Institut für Produktion und Logistik (BIBA), sede da IFIP-ICEC em Bremen. 02 Nov 2022. Arquivo pessoal.

Confesso que até uns meses atrás eu só conhecia Bremen por dois motivos: o álbum Bridges to Bremen, dos Rolling Stones e a fábula dos Músicos de Bremen. Mas, neste mês, tive a oportunidade de dar um pulinho na famosa cidade alemã para apresentar meu trabalho sobre anatomia de game engines na IFIP International Conference on Entertainement Computing (IFIP-ICEC). Durante os 3 dias de evento tive a oportunidade de conversar com pesquisadores do mundo inteiro e fazer algo que adoro: misturar Engenharia de Software com arte, estudos sociais e até psicologia.

Neste post, quero compartilhar com vocês alguns debates e ideias interessantes que vi na IFIP-ICEC. Mas eu não poderia começar sem antes agradecer à 3 pessoas que acompanham de perto minha jornada de pesquisador nos últimos anos: meu supervisor, Dr. Yann-Gaël Guéhéneuc, que tornou possível minha viagem e estadia em Bremen; meu co-supervisor, Dr. Fabio Petrillo, e meu colega Dr. Cristiano Politowski, que me apresentaram à pesquisa na área de jogos e que agora seguem comigo por águas inexploradas na arquitetura e taxonomia de game engines.

Out of Control: jogos incentivam a agressividade?

Imagem do jogo Through Troubled Waters. Fonte: página oficial do jogo

Vários trabalhos na IFIP-ICEC se dedicaram a estudar a relação entre jogos e emoções. Por exemplo, Gary Wagener e André Melzer (Universidade de Luxemburgo), em seu artigo intitulado Comfortably Numb? Violent Video Games and Their Effects on Aggression, Mood, and Pain-Related Responses fizeram experimentos para medir o estado de humor, agressividade e tolerância a dor de 66 participantes antes e depois de jogarem Manhunt 2 (um jogo com cenas de agressão e execuções) e Wii Sports Resort (um jogo casual de esportes). Embora nenhum dos jogos tenha aumentado a agressividade ou tolerância a dor dos participantes, a maioria das pessoas afirmou que seu humor foi afetado negativamente pelo jogo violento.

Esse resultado parece um contrasenso, não? Se jogos são entretenimento, e se buscamos entretenimento como forma de melhorar nosso humor, porque tantos jogadores reportaram mau-humor? Os autores afirmam que esses resultados estão alinhados com outros estudos na área, mas eles admitem que o jogo escolhido para o experimento pode ter feito a diferença. Em Manhunt 2, você joga como um fugitivo de um manicômio que mata todos que encontra pela frente. O sentimento que isso passa ao jogador é muito diferente, por exemplo, de jogar como um semideus em God of War ou um soldado em Call of Duty. Não sei se é essa a intenção dos autores, mas acho que seria interessante repetir o experimento comparando as reações a diferentes jogos.

Outro fator que afeta diretamente o humor dos jogadores é o cansaço. No artigo Mental Wear and Tear: An Exploratory Study on Mental Fatigue in Video Games Using the Example of League of Legends, Ioannis Bikas (Universidade de Bremen) e seus colegas perguntaram a jogadores de League of Legends como eles se sentiram antes e depois de sessões de jogo com duração média de 2,3h. Os pesquisadores concluíram que a performance dos jogadores diminuiu após 5 partidas e que sentimentos negativos foram reportados com mais frequência nesses momentos.

Por outro lado, os jogos podem ser também uma ferramenta para ajudar a controlar sentimentos negativos. No artigo Through Troubled Waters: A Narrative Game for Anger Regulation, Jiaqi Li (Leiden University) e seus colegas descreveram a criação de um jogo narrativo no qual o desafio é escolher estratégias para lidar com situações que causam raiva no personagem. Em um estudo piloto conduzido com 18 jogadores, 55,6% afirmaram que pretendem aplicar na vida real as técnicas para controle de raiva aprendidas no jogo. Embora psicologia não seja minha área, achei a ideia sensacional e acho que as mídias interativas têm muito potencial como ferramenta de treinamento e reflexão.

Start Me Up: será que o Metaverso decola?

Placa com adesivo da Sailor Moon, Bremen. 04 Nov 2022. Arquivo pessoal.

Outro tópico em destaque durante a IFIP-ICEC foi o metaverso da Meta (antigo Facebook). No primeiro dia de evento, os brasileiros Esteban Clua (UFF) e Thiago Porcino (Dalhousie University) apresentaram o tutorial Introduction to Collaborative and Multiuser XR Environments, no qual falaram sobre o metaverso e ferramentas para criação de conteúdos e experiências na plataforma.

Segundo eles, a plataforma está crescendo e a Meta está trabalhando para mostrar ao mercado que ela é um bom investimento. Segundo estatísticas apresentadas no Meta Connect Keynote 2022, 33 apps do metaverso já lucraram mais de US$ 10 milhões. Do ponto de vista tecnológico, game engines populares como Unity e Unreal já possuem suporte para criação de experiências em VR e XR e empresas como a Nvidia estão incentivando a adoção de padrões como o USD (Universal Scene Description), afirmando que o formato poderá se tornar o “HTML do metaverso”.

Mas se o metaverso é lucrativo e tecnologicamente viável, o que está faltando para ele se tornar mais presente em nossas vidas? Talvez o maior desafio sejam os óculos de realidade virtual. Além de causar náuseas e cansaço visual em muitas pessoas, o equipamento ainda é caro e tem limitações de bateria e desempenho. Felizmente, os modelos mais modernos já são mais confortáveis graças ao uso de eye tracking. O preço, porém, segue proibitivo para a maior parte do público.

Ainda que o metaverso decole, não sabemos como a Meta irá administrá-lo, nem os exatos benefícios e malefícios que ele trará para a sociedade. Em uma rodada de discussão após o tutorial, vários dos presentes expressaram sua preocupação com o excessivo foco do metaverso na geração de lucro. Embora a plataforma precise ser financeiramente sustentável, ela não deve deixar de lado o bem-estar, privacidade e liberdade dos usuários.

Considerações finais

Moinho de Am Wall, Bremen. 04 Nov. 2022. Arquivo pessoal

Acredite ou não, o que você acabou de ler foi só a ponta do iceberg do IFIP-ICEC. Assisti apresentações e conversei com pessoas sobre muitos outros tópicos, alguns mais familiares, como IHC (Interação Humano-Computador) e acessibilidade, outros totalmente novos para mim, como DGBL (Digital Game-Based Learning) e psicologia. Como eu já disse, adoro estar no meio dessa intersecção de tópicos e acho que a comunidade acadêmica ganha muito com essa troca de experiências.

Se você quiser saber mais sobre esses assuntos, leia os artigos que citei aqui e dê uma olhada na seção de fontes ao final do post. Quanto à minha estadia em Bremen, foi uma experiência incrível! A cidade tem um excelente sistema de transporte público que conta com linhas de ônibus e bonde, além de um clima agradável, belos parques e claro, ótimas cervejas. Minha próxima parada é em Lille, na França, onde visitarei um centro de pesquisa. Mas isso é assunto para outro post! Até a próxima.

Fontes

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Gabriel Ullmann

Pesquisador de Engenharia de Software, sempre garimpando por coisas interessantes no código de video games e apps em geral. Atualmente em Montreal, Canada.