Checkpoint: seis meses em Montreal

Gabriel Ullmann
5 min readJul 1, 2022

--

Place du Portugal, Montreal, 03 mar. 2022. Arquivo pessoal.

No final de 2021 falei que estaria embarcando para uma nova jornada em Montreal, no Canadá. Seis meses depois, cá estou, com uma porção de histórias pra contar. Eu adoraria falar sobre as disciplinas do mestrado e meus tópicos de pesquisa, mas planejo fazer isso em posts separados (como o que fiz no mês passado), onde posso abordar esses tópicos com mais calma. Nesse checkpoint eu não quero ser tanto um protagonista, mas muito mais um repórter. Quero trazer até você uma visão de geral de quem são, como vivem e o que querem os estudantes internacionais em Montreal.

The winter has come

“Na Europa não é tão frio assim”. Para minha surpresa, foi essa a frase que mais ouvi de franceses, alemães, ingleses e outros europeus que encontrei em Montreal. Sempre achei que eles fossem acostumados a invernos rigorosos, mas a verdade é que eles “sofreram” tanto quanto eu. Especialmente no sul da Europa é raro ver neve (a menos que você more em algum lugar alto, como a região dos alpes). Já em Montreal, uma cidade que fica praticamente ao nível do mar, não é incomum ver o termômetro marcar -10 Cº à tarde e -20 Cº à noite no período de janeiro à março.

Porém, mais surpreendente que o frio foi a quantidade de franceses que encontrei. Em grande maioria eles são jovens entre 20 e 25 anos que vem para estudar e turistar pela antiga colônia além-mar. Vivendo em uma república para estudantes, tive a oportunidade de morar por 6 meses com 5 franceses e nesse meio tempo aprendi muito sobre como eles veem o mundo e, é claro, sobre a língua francesa. Embora eu ainda não consiga entender nem falar muito, estou progredindo. Felizmente a maioria dos franceses que encontrei fala um pouco de inglês, e foi isso que facilitou minha convivência com eles nesses primeiros meses.

Além disso, a galera em geral é muito sociável e aberta, e nem o frio é capaz de pará-los. Mesmo em uma noite congelante de sexta-feira, não é raro ver grupos de amigos andando pelas ruas do Plateau-Mont-Royal a procura de um bar que não esteja lotado. Muitos optam também por organizar festas de apartamento (quando os vizinhos permitem, é claro). Foram nesses momentos de descontração que acabei fazendo amigos e ouvindo muitas das histórias que estão nesse post.

O mundo está aqui

Quartier des Spectacles, Montreal, 08 fev 2022. Arquivo pessoal.

Apesar de os franceses serem muitos, definitivamente não são os únicos. Foi conversando com gente do mundo todo que percebi que existe uma forte relação entre a região de onde elas vêm e o motivo que as trouxe até Montreal. Muitos dos jovens franceses e alemães que conheci, por exemplo, vieram ao Canadá com a intenção de fazer algumas disciplinas da faculdade e depois voltar à Europa para terminar os estudos e pegar o diploma. Dividi apartamento com estudantes de Bioquímica, Comunicação, Ciência Política e Medicina que estudavam dessa forma. Alguns também trabalhavam em cafés ou restaurantes no turno inverso para fazer uma grana extra.

Conversando com colegas sobre planos para o futuro, a palavra que mais ouvi foi “oportunidade”: a maioria diz estar aberto para seguir oportunidades profissionais, onde quer que elas apareçam. Mas é claro que as preferências pessoais também pesam na hora de escolher qual caminho seguir. Por exemplo, vários europeus me disseram que gostariam de se mudar para algum lugar quente (ou paradisíaco) como Austrália, Nova Zelândia ou até mesmo a costa oeste dos EUA. Entre os que não falam francês, como a maioria dos asiáticos e sul-americanos, muitos pensam em tentar a vida nos EUA ou em províncias vizinhas como Ontario, Nova Scotia e New Brunswick.

Há ainda os que decidem se agarrar ao Québec e suas possibilidades com unhas e dentes. A motorista de Uber que me atendeu no dia em que cheguei ao aeroporto em Montreal é um exemplo disso. Vinda de Cuba, ela disse estar na cidade há alguns meses e estar gostando da vibe local. Quando perguntei sobre a barreira idiomática, ela não se abalou: “sou muito sociável, gosto de sair e conversar, acho que não vou ter dificuldade em aprender”. E completou: “Eu tenho consciência que para ter o que os outros têm, eu preciso trabalhar duro, e duas vezes mais. E é isso que eu estou fazendo”.

Parlez-vous français?

Totem de álcool gel em Downtown Montreal, 09 fev. 2022. Arquivo pessoal.

No Canadá moderno, muito se fala sobre bilingualismo. Da caixa de cereal aos discursos no parlamento, tudo é em francês e inglês no país. Porém, o Québec é uma exceção a regra, e para mim isso foi um choque. Em Montreal muita coisa é somente em francês, a começar pela comunicação visual, como placas de trânsito e letreiros nas fachadas das lojas. Quanto à comunicação verbal, quase todos os estabelecimentos em Montreal são bilíngues, embora eu já tenha me deparado mais de uma vez com alguma situação onde a pessoa que me atendia tinha alguma dificuldade de se comunicar em inglês. Nesses casos, a interação fica mais lenta e às vezes até um pouco constrangedora, mas nada que não dê pra superar com um pouco de paciência (e mímica).

Quem fala línguas latinas, como português e espanhol, em geral, se adapta mais rapidamente visto que o francês também é uma língua latina (apesar de ter se desviado muito de suas “irmãs” em termos de pronúncia). Conheci brasileiros, venezuelanos e mexicanos que falam francês muito bem. Por outro lado, para quem vem da Ásia, a familiaridade é bem menor. Quando me matriculei em meu primeiro curso de francês, me vi cercado por colegas da China, Índia e Irã. Como as línguas maternas deles são muito diferentes do latim, o caminho para o aprendizado é mais longo. Admiro profundamente a dedicação dessas pessoas.

Considerações finais

Seja para estudar, para trabalhar, para ficar por muito tempo ou partir em breve, o fato é que Montreal é um lugar extremamente diverso e morar nessa cidade é para mim um sonho realizado. Desde criança sempre fui fascinado por mapas e por imaginar quem são e como vivem as pessoas nos mais diferentes lugares do mundo. Vivendo no Canadá, tenho a oportunidade de trocar experiências com essas pessoas enquanto, ao mesmo tempo, construo meu caminho pessoal e profissional. Infelizmente um post é muito pouco para reunir todas as histórias que ouvi de maneira organizada, mas haverão mais oportunidades no futuro. Espero que vocês tenham gostado e não hesitem em comentar e mandar sugestões por aqui ou pelo Twitter.

À la prochaine / See you next time / Até a próxima!

--

--

Gabriel Ullmann

Pesquisador de Engenharia de Software, sempre garimpando por coisas interessantes no código de video games e apps em geral. Atualmente em Montreal, Canada.