Desvendando problemas na indústria de jogos

Gabriel Ullmann
4 min readFeb 15, 2021

--

Photo by Carl Raw on Unsplash

Recentemente fui coautor de um trabalho focado na análise de problemas na indústria de jogos, fundamentado em postmortems, que são relatos de pessoas diretamente envolvidas nessas produções. No desenvolvimento desse estudo trabalhei em conjunto com Cristiano Politowski (Concordia University), Dr. Fabio Petrillo (UQAC) e Dr. Yann-Gaël Guéhéneuc (Concordia University). Nesse post, vou fazer um breve resumo das origens da nossa pesquisa, quais foram os resultados obtidos e por que eles podem ser úteis para desenvolvedores ao redor do mundo:

O que são postmortems?

Em inglês, o termo significa “autópsia” — exame feito em uma pessoa a fim de identificar a causa de sua morte. No mundo do desenvolvimento de jogos, o postmortem é um documento escrito depois do final de um projeto a fim de analisar sua realização: quais foram os pontos positivos e negativos, quais problemas ocorreram e por quê. O autor do texto é geralmente o criador do game ou outra pessoa que tenha trabalhado ativamente no projeto.

Embora documentos desse tipo sejam publicados em múltiplos blogs, sites e conferências, nosso estudo englobou somente postmortems publicados no site Gamasutra. Nosso trabalho consistiu em ler 200 desses documentos, identificar os problemas descritos pelos autores e então categorizá-los. Primeiramente, a categorização foi feita em 3 grandes grupos. Cada grupo engloba vários tipos de problemas, nos quais não irei me aprofundar aqui por questão de brevidade, mas a descrição geral é a seguinte:

  • Produção (production): problemas relacionados a parte técnica, criativa e operacional do desenvolvimento de um jogo.
  • Gerenciamento (management): problemas relacionados ao planejamento, controle de projetos e times, alocação de tempo e recursos.
  • Negócios (business): problemas relacionados a parte comercial do projeto, tais como atividades de marketing e estratégias utilizadas para alcançar engajamento e monetização do jogo.

O que descobrimos analisando os postmortems?

Evolução dos problemas analisados ao longo dos anos. Fonte: Autor.

Através da identificação dos problemas descritos nos textos e sua posterior categorização, foi possível tabular os dados e analisar seus aspectos estatísticos: quais valores são mais/menos frequentes, qual a média dos valores, etc. A partir do estudo de 200 postmortems referentes a jogos publicados de 1998 a 2019, foi possível concluir que:

  • Problemas de gerenciamento tornaram-se menos frequentes ao longo do período analisado, enquanto os problemas de negócios aumentaram. Problemas de produção permaneceram com frequência constante.
  • Os problemas de produção estão concentrados principalmente na área técnica e de design, enquanto os de gerenciamento estão distribuídos entre diferentes causas.
  • Problemas técnicos e de design diminuíram ao longo do período analisado; problemas de design diminuíram com maior intensidade na última década.
  • Problemas relacionados ao gerenciamento de times diminuíram na última década.
  • Problemas de marketing apresentaram o maior aumento ao longo do período analisado em comparação a outros tipos de problemas.

Que problemas são descritos?

A maior parte dos autores de postmortems escreve em um estilo “narrativo”, contando a história do projeto de maneira informal e frequentemente bem-humorada. Um exemplo disso é o que escreve Pascal Bestebroer sobre a abordagem de marketing de seu jogo, Meganoid. Ele enviou keys grátis do game para vários streamers do YouTube, mas obteve resultados abaixo do esperado:

Eu mandei e-mails para todos eles, quase 100, com pelo menos 1 key da Steam inclusa (…) e isso resultou em um incrível zero [streams]. Eu mandei um e-mail de acompanhamento para boa parte deles na semana seguinte, e isso resultou em 1 streamer jogando o jogo, resultados, eba!

Outro problema frequente são as estimativas de prazos e recursos, que recentemente vieram à tona por conta do RPG Cyberpunk 2077. O game sofreu críticas dos fãs devido ao grande número de bugs e funcionalidades incompletas no lançamento. Em um vídeo de desculpas, Marcin Iwiński, co-fundador do estúdio CD Projekt Red, declarou que “o tempo provou que nós subestimamos essa tarefa”. Embora esse caso não tenha sido incluído em nosso estudo, podemos relacioná-lo com a situação descrita por Johan Pilestedt no postmortem de Magicka:

Na época que definimos nosso primeiro orçamento e planejamento de metas para desenvolvimento, decidimos ter 5 programadores trabalhando em tempo integral por 6 meses. Fato: [o jogo] demandou 8 programadores em tempo integral, entre 2 e 4 programadores em meio turno e 24 meses de trabalho para mal conseguir terminar. Nossa estimativa inicial estava errada em mais de 700%.

Nosso estudo fornece sugestões de solução para esses e outros problemas comuns. Como nem todas podem ser descritas aqui por uma questão de espaço, eu incentivo que você leia o artigo completo aqui. A versão pre-print está disponível no Arxiv.

Considerações finais

Em geral, empresas de jogos não divulgam muita informação sobre os bastidores de seus projetos e portanto os problemas que os desenvolvedores passam em seu dia-a-dia são pouco documentados e estudados. A análise de postmortems torna possível entender melhor esses problemas e o que precisa ser feito para solucioná-los ou mitigá-los. A partir disso, pesquisadores, gestores e desenvolvedores podem planejar melhor seus projetos e evitar dores de cabeça para si, para seu time e, é claro, para o público sedento por novos lançamentos.

--

--

Gabriel Ullmann

Pesquisador de Engenharia de Software, sempre garimpando por coisas interessantes no código de video games e apps em geral. Atualmente em Montreal, Canada.