Checkpoint: um ano e meio em Montreal

Gabriel Ullmann
6 min readJun 2, 2023

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Placa de “perigo” no Lac-aux-Castors, 12 mar. 2023. Arquivo pessoal.

Durante o meu segundo inverno em Montreal, tive a oportunidade de conhecer novas pessoas e histórias, e sem dúvida as que mais me marcaram foram as relacionadas à Ucrânia. No primeiro bloco deste checkpoint, compartilho com vocês as histórias de estudantes ucranianos que encontrei em Montreal, o que estão fazendo para conservar sua cultura e idioma longe de casa e quais são suas perspectivas para o futuro.

No segundo bloco, vou tomar a liberdade de falar um pouco mais sobre mim e sobre um tópico que tem sido meu norte (com o perdão do trocadilho geográfico) nos últimos 18 meses no Canadá: aprendizado. Compartilho aqui minha jornada de aprendizado em francês, mas com dicas que você também pode aplicar para melhorar o seu inglês, estudar para a faculdade ou trabalho. Em um mundo onde tudo muda muito rápido, é essencial que aprimoremos nossa capacidade de aprender, seja lá o que for.

Uma história de dois Natais

Muffins que a minha colega preparou para a Páscoa, 15 abr. 2023. Arquivo pessoal.

Em qualquer guerra, a primeira vítima é o cotidiano. Com a invasão russa à Ucrânia, há mais de um ano, vieram os bombardeios à subestações de energia e, por consequência, frequentes apagões. Como um colega ucraniano me explicou, isso motivou o mapeamento de hotéis, restaurantes e outros locais que possuam geradores, para que as pessoas pudessem buscar locais aquecidos para passar as noites de inverno. Mas apesar de tudo, os ucranianos resistem e tentam levar uma vida tão normal quanto possível, dadas as circunstâncias.

Do outro lado do Atlântico, em Montreal, os ucranianos fazem o possível para manter o contato com a família, amigos e também com a própria cultura. É o caso de minha colega de apartamento, que nos convidou a celebrar uma segunda ceia de Natal no dia 7 de janeiro, data utilizada pelos católicos ortodoxos que são maioria no leste europeu. Sendo assim, acabei celebrando dois natais (e em abril, duas páscoas!). A alegria de compartilhar uma refeição entre amigos e bater um bom papo foi dobrada.

Foi através de minha colega que conheci outros jovens ucranianos em Montreal, como por exemplo a galera da JUQ (Juventude Ucrano-Québecoise), que promove vários eventos culturais. Em fevereiro, estive em uma sessão de documentários organizada por eles que mostrou a Ucrânia em todos os seus contrastes. Para citar dois exemplos que você pode assistir também no YouTube, em Through the eyes of the Japanese, o correspondente Shigeki Miyajima mostra a destruição causada pelos russos nas cidades de Irpin e Kyiv no início da invasão. Por outro lado, em The Carpathians from above, vemos as belezas naturais dos Cárpatos, uma cordilheira verdejante no leste da Ucrânia.

Quanto ao futuro próximo, os ucranianos com quem conversei disseram que querem focar nos estudos e trabalho em Montreal. Embora ninguém saiba dizer se o próximo Natal será de paz, todos ele têm esperança de voltar a seu país um dia e colaborar com a reconstrução de alguma forma. E enquanto esse dia não chega, associações como a JUQ seguem no incansável trabalho de promover a cultura ucraniana e combater a desinformação sobre a invasão. Afinal, enquanto a cultura de um povo permanecer viva, esse povo também viverá.

Idiomas: aprendendo a aprender

Exposição de arte “Luminothérapie” em Place des Arts. 15 dez. 2022. Arquivo pessoal.

Como mencionei lá no primeiro checkpoint, passei meus primeiros 6 meses em Montreal morando com estudantes franceses. Cercado o dia todo pela língua francesa acabei aprendendo muito, embora o processo não tenha sido totalmente por osmose. Eu fazia um esforço diário para anotar novas palavras e para seguir imerso no idioma através de músicas, podcasts e leitura. Essa é uma dica velha, mas muito válida: se você está tentando aprender algo, fique tão imerso quanto possível.

Eu sei que para quem está no Brasil muitas vezes é difícil encontrar um grupo de gringos (ou mesmo de brasileiros) para conversar em inglês, por exemplo. Mas hoje em dia existem várias opções de aulas de conversação, inclusive online, então vale a pena buscar por opções caso tenha interesse. No meu caso, pratico francês nos workshops e eventos gratuitos que minha universidade oferece, como a Francoféte. Além disso, estou aos poucos perdendo o medo de botar o francês em prática também fora da sala de aula, seja para pedir um café ou comprar um lanche. Mais do que input, imersão também é output: além de obter conhecimento, precisamos colocá-lo em prática.

Eu sei também que muitos leitores podem não estar prontos para a prática ainda. Se esse é seu caso, recomendo que você tente identificar seus pontos fracos. Seu problema é gramática? Assista vídeos sobre o assunto e veja se isso ajuda. Pouco vocabulário? Busque boas leituras e bons filmes. Uma escola de idiomas também pode te ajudar. Muitas delas te permitem fazer uma prova de nivelamento gratuita, que serve como um bom “termômetro”. Só tem um porém: muitas escolas te nivelam para baixo para te vender um curso mais básico e, por consequência, te manter como cliente por mais tempo. Portanto, reserve um tempo para pesquisar diferentes serviços, tanto presenciais quanto online, e escolha aquele que melhor se adapta ao seu nível e ao seu orçamento.

Além da imersão, outra questão importante é a consistência. Eu amplifico isso até a milésima potência, por exemplo, quando estudo para alguma matéria do mestrado. Além de tirar pelo menos 1h diariamente para estudar, encho minha parede com post-its onde escrevo pequenas fórmulas e fatos importantes que preciso memorizar. Se a matéria envolve matemática, deixo uma parte do caderno reservada só para fazer exercícios, e outra para fazer anotações. Busco até mesmo músicas que me lembram os conteúdos para montar playlists.

Tudo bem, talvez seja apenas a minha mente que funcione dessa maneira caótica. Sendo assim, não leve esses conselhos muito a sério. Afinal, como diz o velho ditado, se conselho fosse bom, não se dava, se vendia. No entanto, se me permitir dar um último conselho, no estilo “faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”, aqui está: descanse. Lembro que no início do meu aprendizado em francês, eu fazia questão de ouvir e ler coisas em francês o dia inteiro, diariamente. Mas logo percebi que isso me deixava extremamente cansado e deprimido. Portanto, pegue leve. Você não precisa estar aprendendo o tempo todo.

Considerações finais

Na foto que ilustra esse post, a placa diz: “Ne pas vous aventurer sur la surface glacée” (Não se aventure sobre a superfície congelada). Achei esse aviso uma bela analogia para a jornada de qualquer imigrante, em qualquer país. Há muita gente se aventurando por aí, uns caminhando sobre o gelo mais fino, prestes a quebrar; outros sobre o gelo mais grosso, com uma base estável. Independente da espessura do gelo, o importante é saber para que direção caminhar, e é isso que estou decidindo agora.

Atualmente estou trabalhando na minha dissertação de mestrado, que vou defender no final deste ano. Depois disso, posso seguir vários caminhos dentro e fora do mundo acadêmico. Todos eles são resultados do meu trabalho nos últimos anos, e tenho certeza de que todos vão me proporcionar bons momentos e histórias em um futuro próximo. De qualquer forma, vejo vocês no fim deste ano de 2023 para um checkpoint final… Ou quem sabe apenas o primeiro de uma nova temporada.

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Gabriel Ullmann

Pesquisador de Engenharia de Software, sempre garimpando por coisas interessantes no código de video games e apps em geral. Atualmente em Montreal, Canada.