De Bolonha, Itália: O que rolou na IFIP-ICEC 2023

Gabriel Ullmann
6 min readDec 1, 2023

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Complesso di San Giovanni in Monte, onde ocorreram as apresentações de artigos da IFIP-ICEC em Bolonha, Itália. 16 Nov 2023. Arquivo pessoal.

Neste mês de novembro estive em Bolonha, na Itália, onde participei da IFIP International Conference on Entertainement Computing (IFIP-ICEC). Assim como no ano passado, tive a oportunidade de ouvir e conversar com pesquisadores do mundo inteiro sobre assuntos como realidade estendida (XR), serious games e acessibilidade. Neste post, eu faço um resumo dos trabalhos apresentados e discussões realizadas durantes os três dias de conferência e explico por que a pesquisa em computação para entretenimento é tão importante*.

* Seguindo a tradição que iniciei no ano passado, coloquei referências musicais nos títulos das seções deste post. Consegue identificar qual é banda da vez? Dica: eles acabaram de lançar uma nova música.

Live and Let Die: como criar serious games duráveis?

Imagens do jogo Mobility. Fonte: página oficial do jogo.

Serious games são jogos criados com propósitos que vão além do entretenimento. Por exemplo, o jogo Mobility foi criado para ensinar planejamento e construção de sistemas de transporte público. Embora utilizados para educar ou conscientizar sobre um tópico, serious games podem (e devem) ser divertidos também. O problema é que muitos desses jogos acabam sendo abandonados por seus criadores e caindo na obsolescência, um fenômeno conhecido como “software aging” (“envelhecimento de software”, em uma tradução literal).

Abrimos o primeiro workshop da conferência, entitulado Towards Sustainable Serious Games, debatendo sobre o abandono de serious games na academia. Muitos deles são desenvolvidos por estudantes de mestrado e doutorado, que acabam deixando seus projetos para trás depois de terminarem seus estudos. Mesmo quando outros pesquisadores tentam dar continuidade a esses projetos, a falta de documentação e flexibilidade do software tornam o processo muito demorado e propenso a erros. Após os debates, propusemos várias maneiras de mitigar estes problemas:

  • Criar serious games com mecanismos de extensão integrados (por exemplo, suporte a plugins).
  • Criar bancos de dados públicos e gratuitos com assets (ex.: imagens, sons e animações) reutilizáveis.
  • Motivar desenvolvedores de serious games a criarem projetos em código aberto, permitindo que mais pessoas possam colaborar para sua continuidade e evolução.

Embora possamos aplicar estas e outras estratégias para aumentar a durabilidade de serious games, o fato é que nenhum software é eterno. Como mencionou Ioana Stefan (ATS, Romênia) em sua apresentação durante o workshop: “assim como nós, os jogos também envelhecem”. Não existe fórmula mágica para determinar se um serious game está obsoleto demais ou se ainda vale a pena investir nele. De qualquer forma, o estudo e aplicação de disciplinas como Arquitetura de Software e UI/UX podem ajudar desenvolvedores de jogos tanto na academia quanto na indústria.

We Can Work It Out: a realidade virtual no mundo do trabalho

Treinamento para profissionais de peixaria em realidade virtual. Adapatado dos slides da Dr. Ekaterina Prasolova-Førland para a IEEE VR 2019.

A realidade estendida (ou XR, na sigla em inglês) é um termo guarda-chuva que engloba tecnologias de realidade virtual, aumentada e mista. Estes termos ficaram mais conhecidos nos últimos anos, graças a jogos como Pokémon Go e Beat Saber. Porém, como comentei no ano passado, a XR ainda não “decolou” no mundo dos video games, tanto pelo alto custo dos óculos de realidade virtual quanto pela “cybersickness”, a sensação de enjoo que muitas pessoas sentem ao utilizarem esse tipo de equipamento.

Por outro lado, a XR parece estar encontrando cada vez mais espaço no mundo do trabalho. Em seu keynote intitulado Immersive Technologies for learning: adopting a cross-disciplinary approach, a Dr. Ekaterina Prasolova-Førland (NTNU, Noruega) apresentou projetos de realidade virtual que introduzem jovens a atividades profissionais que eles poderiam ter receio de experimentar na vida real, como trocar uma lâmpada no alto de uma turbina eólica, operar uma escavadeira ou trabalhar na linha de produção de uma peixaria.

Também com a formação profissional em mente, Dr. Thiago Porcino (PUC-Rio, Brasil) apresentou durante seu workshop de experiências XR alguns exemplos relacionados à indústria de transporte marítimo. Por exemplo, experiências de realidade virtual já estão sendo utilizadas para treinar pessoas para fazerem manutenção de embarcações em alto-mar, ou para visualizar a movimentação de embarcações.

Achei incrível o alto nível de imersão, engajamento e até mesmo diversão que essas experiências proporcionam. Seja para treinar pessoas para realizarem tarefas complexas ou auxiliar jovens que estão entrando no mercado de trabalho, a realidade estendida tem forte potencial educacional e acredito que ela vá se popularizar em um futuro próximo.

Come Together: unindo esforços pela acessibilidade em jogos

Imagem do jogo Death of the Internet (esq.) e de outros jogos apresentados durante a Student Game Competition (dir.). Fontes: artigo (esq.) e arquivo pessoal (dir.).

Este ano o tópico acessibilidade ficou em destaque tanto nas apresentações de artigos quanto na Student Game Competition que ocorre em conjunto com a IFIP-ICEC. Por exemplo, no artigo Accessibility Issues Within Serious Games in Engineering Education for Visual Impairment, Sundus Fatima e Dr. Jannicke Hauge (Univ. de Bremen, Alemanha) mostram que serious games criados para o ensino de Engenharia contém poucas opções de acessibilidade e frequentemente utilizam esquemas de cores que dificultam a utilização por pessoas daltônicas.

Já na Student Game Competition, María Eugenia Larreina-Morales (Univ. Autônoma de Barcelona, Espanha) e seus colegas apresentaram o jogo “Death of the Internet”, que inclui audiodescrição dos cenários e textos presentes no jogo, bem como um mecanismo de navegação semi-automática entre pontos de interesse no cenário que facilita a interação de pessoas com deficiência visual. O jogo foi eleito o melhor da competição pelos organizadores.

Diferente do que muita gente pensa, implementar mecanismos de acessibilidade em jogos não significa apenas auxiliar pessoas com deficiências, mas também se adaptar às necessidades de qualquer pessoa. No artigo Dynamic Difficulty Adjustment by Performance and Player Profile in Platform Game, Marcos Rosa (UnB, Brasil) e seus colegas descrevem um sistema de ajuste automático de dificuldade para jogos de plataforma, com o objetivo de manter os jogadores em um estado de “flow”, ou seja, oferecendo uma jogabilidade que não é nem muito fácil, nem muito difícil para o jogador. O artigo foi eleito o melhor da conferência pelos organizadores.

Também com o objetivo de melhorar o bem-estar dos jogadores, no artigo Exploring the Influence of Collision Anxiety on Player Experience in XR Games, Patrizia Ring e Maic Masuch (Univ. de Duisburg-Essen, Alemanha) estudam um fenômeno chamado “collision anxiety”, o receio que jogadores têm de se chocarem com móveis ou outros objetos enquanto estão utilizando óculos de realidade virtual. Os pesquisadores conduziram um experimento para determinar se esse receio é maior em jogos de realidade virtual ou realidade aumentada, e concluíram que o tipo de tecnologia não influencia nesse aspecto. Contudo, jogos mais imersivos tendem a causar maior “collision anxiety”.

Considerações Finais

Bolonha é uma cidade linda, cheia de história e, em minha humilde opinião, o lugar perfeito para uma conferência como a IFIP-ICEC. Foi sensacional ter tido mais uma vez a oportunidade de trocar experiências com pessoas do mundo todo que, assim como eu, amam jogos e experiências interativas. No trabalho de cada um, vejo os jogos se consolidando não apenas como formas de entretenimento mas também como ferramentas que ajudam a humanidade a ensinar, aprender, trabalhar, criar e se divertir com maior qualidade. Isso me inspira a continuar minha jornada acadêmica.

Outra coisa que me impressionou e que não posso deixar de mencionar é a força da comunidade brasileira na IFIP-ICEC. Foram dezenas de pesquisadores brasileiros apresentando artigos e jogos este ano, o que mostra que, ao contrário do que muitos argumentam, o pesquisador brasileiro é capaz de produzir ciência em altíssimo nível, bem como ser reconhecido mundo afora. E não por coincidência, em 2024 a IFIP-ICEC será em Manaus, Brasil! Infelizmente ainda não sei como estará a minha agenda no ano que vem, mas seria uma honra poder participar mais uma vez. Arrivederci!

Fontes:

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Gabriel Ullmann

Pesquisador de Engenharia de Software, sempre garimpando por coisas interessantes no código de video games e apps em geral. Atualmente em Montreal, Canada.