Como começou o apagão de TI?

Gabriel Ullmann
5 min readSep 15, 2021

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Photo by Claudio Schwarz on Unsplash

Nos últimos meses, a falta de profissionais na área de TI voltou a ocupar as manchetes de jornais e sites especializados. Como falei recentemente em entrevista ao blog da GH Branding e Unijuí FM, esse fato tem relação direta com a pandemia: empresas que não pensavam em fazer vendas ou marketing pela Internet tiveram que se adaptar para atender clientes que passaram a buscar produtos e serviços no mundo virtual. Com isso, naturalmente, surge a necessidade de mão de obra especializada.

Contudo, para quem já está imerso no mundo da tecnologia há alguns anos, esse “apagão” não é novidade. Lá em 2014, quando saí do Ensino Médio e entrei em um curso técnico em informática, já se ouvia falar que TI era a “profissão do futuro”, dada a grande demanda. Conversando com professores e profissionais mais experientes, com o tempo descobri que essa crise era ainda mais antiga. Foi então que passei a me perguntar: será que estamos em um eterno apagão de TI no Brasil?

Para responder essa pergunta, saí em busca de conteúdos sobre o tema, e não me decepcionei: em 2004, o boom do mercado de tecnologia foi documentado no artigo Comportamento do mercado de trabalho de informática: a questão dos profissionais de informática no Rio de Janeiro. Os pesquisadores analisaram classificados de jornal para entender a demanda por profissionais de TI a partir dos anos 90, e então produziram o seguinte gráfico:

Fonte: Barcellos, Rapkiewicz, 2004

Segundo o artigo, quase um terço dos classificados publicados no ano 2000 era em busca de profissionais de informática. Em 1992, esse número era 10 vezes menor. Mas, o que causou todo esse crescimento? Além da popularização global da Internet nos anos 90, o Brasil sofreu com os efeitos da “reserva de mercado”, instituída pela Lei Federal nº 7.232 de 1984.

A ideia da reserva era simples: para incentivar o mercado nacional, as importações de hardware e software foram restritas ao máximo. E se você quisesse trazer uma placa de vídeo nova dos EUA, ou a última versão de um sistema operacional? Sem a permissão do governo, nada feito. Como explica Luzia Mazzeo em sua tese A Informática no Brasil e o Novo Paradigma Industrial, embora essas medidas tenham beneficiado algumas empresas, acabaram também por atrasar o setor de TI como um todo:

Ao dificultar a vinda de capitais e tecnologia estrangeiros, o Brasil atrasou o seu processo de modernização industrial e se colocou fora da concorrência internacional, dado que os produtos oferecidos apresentavam qualidade inferior e preços superiores (….)

A lei foi revogada só em 1991, já após a redemocratização. Nos anos que se seguiram, começou uma corrida para superar esse atraso, e como já vimos, a procura por profissionais aumentou vertiginosamente. Contudo, o assunto só se tornou mais citado na mídia especializada em 2007, como indica um editorial do IT Forum:

Estatísticas do Ministério da Ciência e Tecnologia apontam um déficit de 20 mil profissionais no segmento. (…) Já a Sociedade Brasileira para promoção da Exportação de Software (Softex) prevê 230 mil vagas abertas até 2012, incluindo o segmento de software e correlatos.

Cinco anos depois, em 2012, canais como o G1 e o Profissionais TI reportaram um cenário ainda mais alarmante: o déficit previsto saltou de 20 mil para 800 mil, ou seja, 40 vezes mais.

Segundo a FGV, até 2014 teremos um déficit de 800 mil vagas no setor. Estima-se que hoje, 92 mil vagas de tecnologia da informação estejam disponíveis.

As vagas em aberto continuaram a crescer nos anos seguintes, embora a falta de profissionais não tenha se tornado tão crítica quanto o previsto. Em 2015, o G1 reportou a expansão da indústria de TI de forma bem otimista:

A Sala de Emprego desta segunda-feira (13) mostra como está o mercado de TI, uma das áreas que tem passado com folga pela crise vivida no país. Muitas empresas estão contratando e as perspectivas são boas para o segundo semestre.(…) Só em junho, foram abertas 10.105 vagas, 3.640 a mais do que junho do ano passado.

Porém, no início de 2020, antes mesmo do início pandemia de COVID-19 no Brasil, um artigo do IT Forum já debatia um possível apagão:

(…) formam-se apenas 46 mil alunos por ano com perfil tecnológico no ensino superior, ou seja, haverá um déficit de 290 mil profissionais.

Em 2021, a situação continua bem semelhante. Segundo o Correio Brasiliense, a formação de mão de obra tecnológica segue em baixa, embora haja demanda por 420 mil profissionais até 2024. Mas qual é a solução para essa crise afinal? Analisando artigos de diferentes épocas, a resposta é quase unânime: educação de qualidade.

Enquanto empresas podem trabalhar em capacitação interna e na formação de novos talentos, as instituições de ensino tem a missão de fomentar a união entre conhecimento teórico e prático, auxiliando os acadêmicos a navegarem em meio ao mar de possibilidades das carreiras da tecnologia. Tendo a indústria de tecnologia e o meio acadêmico andando lado a lado, acredito que podemos superar essa crise.

Fontes:

http://www.abepro.org.br/biblioteca/ENEGEP2004_Enegep0901_1101.pdf

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7232.htm

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Gabriel Ullmann

Pesquisador de Engenharia de Software, sempre garimpando por coisas interessantes no código de video games e apps em geral. Atualmente em Montreal, Canada.