Para onde vamos e o que deixamos

Gabriel Ullmann
4 min readDec 2, 2021

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Foto por Mrjohncummings, Wikimedia Commons

Tempos atrás reescrevi um texto e resolvi começar com a frase “de onde viemos?”. Agora, com o ano de 2021 quase no fim, pensei em terminar com um “para onde vamos?”. Mas, para falar do futuro, precisamos ir primeiro ao passado, mais precisamente para o século XIX, época em que viveu o poeta inglês Lord Byron.

Byron é o típico escritor romantista que vemos nas aulas de literatura na escola: um sujeito boêmio, aventureiro, que amou várias mulheres (e homens) e escreveu versos apaixonados como os publicados na obra Don Juan (1820), recentemente traduzida para o português por Lucas Agostini:

E suspiros, mais fundos ao os prender,

E olhadelas, mais doces por roubadas,

Longe, agitados, perto, a estremecer

Ardências rubras, sem ter feito nada.

São as primícias que não podem ser

De uma jovem paixão dissociadas,

E mostram só como o amor é, de fato,

Embaraçado no ato de um novato

Cinco anos antes de colocar esses versos no papel, Byron viu nascer sua segunda filha, que séculos depois acabaria por superá-lo tanto em fama quanto em em intelecto — pelo menos no campo da tecnologia. Você provavelmente já ouviu falar dela: Ada Lovelace. No artigo Sketch of the Analytical Engine (1835), ela descreveu o funcionamento da Máquina Analítica, projetada pelo matemático inglês Charles Babbage. Essa máquina seria o equivalente ao tataravô de nossos smartphones, um computador analógico movido por engrenagens (como na imagem que ilustra este post).

Para esse dispositivo, Ada elaborou o que é considerado o primeiro programa de computador da história — o que faz dela, por consequência, a primeira programadora. Além disso, ela foi capaz de enxergar algo que passou despercebido por muitas das mentes mais brilhantes de sua época: mais do que uma simples calculadora, a Máquina Analítica (ou outro computador semelhante) teria potencial para processar e organizar qualquer tipo de informação — como música, por exemplo:

Reitero que [a Máquina Analítica] pode operar sobre outras coisas além de números, tais como objetos cujas relações fundamentais possam ser expressas pela ciência abstrata das operações (…). Supondo, por exemplo, que as relações fundamentais entre tons sonoros na ciência da harmonia e composição musical estejam sujeitos a tais expressões e adaptações, a máquina poderia compor peças musicais elaboradas e científicas em qualquer nível de complexidade ou dimensão.

Embora tenha documentado de forma brilhante a Máquina Analítica e trazido insights muito a frente de seu tempo, a importância da obra de Ada foi reconhecida apenas no início do século XX, quando a construção de computadores finalmente tornou-se tecnicamente viável. Babbage e Lovelace morreram sem jamais terem conseguido completar a construção de sua máquina, tampouco executar nela seu primeiro programa.

Eu sei que essa história pode parecer um pouco deprimente (eu deveria estar escrevendo um texto motivacional de fim de ano, não?). Porém, eu gosto de olhar para ela como um lembrete esperançoso de que mesmo uma contribuição pequena hoje pode fazer a diferença no futuro — criar um legado. Seja no nosso trabalho, estudo, família ou amizades, sempre temos a chance de fazer algo muito mais duradouro do que nós mesmos, seja através de ações ou escritos. Ou, como escreveu Byron, também em Don Juan:

É estranho, a curta letra que o homem usa e

Não fala, forma um duradouro link

De eras. Que é ao quê o ancião Tempo reduz

O fraco homem; já o papel — um trapo como este,

Sobrevive a ele, à tumba, e ao que dele reste!

A ciência, da mesma forma, é construída sobre ombros de gigantes, fruto do conhecimento de gerações. E a partir de janeiro de 2022, começo minha própria jornada sobre ombros de gigantes: um mestrado em Engenharia de Software na Concordia University, em Montreal, Canadá. Trabalhar mais próximo do meio acadêmico em uma instituição internacional é um sonho de longa data, e está sendo incrível poder finalmente realizá-lo. Só tenho a agradecer a todos os amigos e familiares que me ajudaram nessa caminhada.

Se você quiser saber um pouco mais sobre minha pesquisa e como cheguei lá, recomendo que leia meu post sobre problemas na indústria de jogos e também minha entrevista na UNIJUÍ FM. Além disso, siga acompanhando meus posts por aqui! Minha agenda vai estar bem cheia nos próximos meses, mas prometo compartilhar novidades.

Feliz Natal e Ano Novo 🎄

Fontes:

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Gabriel Ullmann

Pesquisador de Engenharia de Software, sempre garimpando por coisas interessantes no código de video games e apps em geral. Atualmente em Montreal, Canada.